Do alto de sua cobertura à beira mar ele tentava apreciar sua felicidade.
Já tinha encomendado os vinhos mais caros dos mais diversos países, comprado as roupas das grifes mais cobiçadas, três iates, helicóptero, uma coleção de carros antigos. Só comia do bom e do melhor, viajava para onde quer que fosse quando quisesse. Todas as portas eram abertas diante dele.
No entanto, cada momento de prazer era tão curto quanto um suspiro. Ele, observando aqueles miseráveis que passavam lá embaixo, que tinham tão pouco, não podia deixar de notar que, talvez, seu regozijo fosse tão grande quanto o deles, ou talvez menor, e isso o inquietava profundamente.
Por que pode ser que o prazer que sentia ao apreciar o vinho 1967 de não sei qual parte da França fosse muito menor do que o de um pobretão cheio de sede que dá o primeiro gole de uma cerveja de cereais não maltados num dia quente, ou que aquela garfada de muitos dólares no prato elaborado pelo chef do momento fosse completamente insossa se comparada ao franguinho assado recheado com maionese caseira e farofa de banana de domingo da casa de uma amorosa família de pé rapados.
Quantas de suas viagens de férias não se revelaram um verdadeiro tédio e como não pareciam se divertir, autenticamente, aquelas crianças miseráveis que se jogavam na água bem faceiras desde o alto da ponte do rio uruguai?
Seria necessário ir tão longe?
Pagar tão caro?
Perguntava uma voz baixinha dentro da sua cabeça.
O que lhe restava, então, era usufruir de um prazer que fosse alheio a essas pessoas ordinárias. Sugar, como um vampiro a frustração de todos os pobres do mundo que lhe invejavam por poder tomar seu vinho 1967 de não sei qual parte da França, gastar o equivalente ao rendimento mensal de centenas de famílias num jantar preparado pelo chef premiado, viajar para onde quer que seja a hora que for mais vezes…
Seu gozo era o de se imaginar invejado. Mas como a vida tinha se transformado numa vitrine para os desejos alheios, então ele temia, pois sabia que bastaria romper a fina vidraça que o separava do mundo real para que todos percebessem finalmente a sua profunda, profunda, profunda miséria.

por
Mariana Berta

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